segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Religião e Política: acreditar e praticar para transformar. João Crispim Victorio - CEBI-RJ - Sub regional Campo Grande

Religião e Política: acreditar e praticar para transformar.
João Crispim Victorio[i]

Do dia em que nasci até meus dez anos de idade, mais ou menos, frequentei a Umbanda[1], religião dos meus pais e avós. Minha avó era a Ialorixá do terreiro, ou seja, a mãe de santo, a responsável pela feitura dos médiuns, os filhos de santo. Com eles aprendi muitas coisas importantes relacionadas aos valores morais, aos bons costumes e ao respeito às pessoas, principalmente com as mais velhas, detentoras das sabedorias de vida acumuladas.
Aprendi também a respeitar os animais, seres considerados por eles, divinos, como as plantas, que têm o poder da cura, enfim, de modo geral, a respeitar a natureza, porque tudo é natureza e ela provém de Deus, o Criador.     Quando me tornei adolescente, fase que na maioria das vezes perdemos o interesse por quase tudo, comigo não podia ser diferente, aos poucos fui me afastando e, até os meus dezessete anos, não quis saber de nenhuma religião e questionava até mesmo a existência de Deus. Não me tornei propriamente um ateu, mas num agnóstico teísta[2] por acreditar, de certa forma, na existência de Deus.
Foi na minha juventude, depois de ter vagado por uns três ou quatro anos, que tive uma reaproximação com a igreja católica. Digo reaproximação porque, ainda quando criança, meus pais nos orientavam, eu e meus irmãos, a fazer o catecismo na paróquia do bairro onde morávamos, posso considerar essa como minha primeira experiência de sincretismo religioso[3]. Mas o que meus pais não sabiam é que naquela época eu faltava mais do que comparecia aos encontros da catequese. Quase sempre desviava o caminho da igreja, achava mais interessante ir jogar futebol, bola de gude ou impinar pipas. Mas foi exatamente ali, na paróquia Nossa Senhora Aparecida, que iniciei, no auge da minha juventude, a participação na comunidade. Esta foi, para mim, uma fase muita rica e significativa, pois foi a partir dessa experiência que pautei minha vida em família e as ações sociais tomando por base a pessoa de Jesus Cristo.
Posso dizer, então, que toda minha formação intelectual e de caráter têm suas origens, primeiro na família e na escola, depois na Umbanda, religião dos meus pais e avós, e no catolicismo, minha religião por opção, mais propriamente dentro da Teologia da Libertação[4]. Sendo assim, considero ser importante, mas não fundamental para se viver em sociedade, a participação em uma religião. No meu caso foi por meio da igreja católica, por exemplo, que aprendi a participar de reuniões e de grupos; participei de cursos de formação ética, teológica e política; aprendi a pensar no coletivo; a lutar por uma sociedade justa e fraterna e a vivenciar minha fé[5].
Uma das primeiras coisas que compreendi iluminado pelos Evangelhos, foi que Jesus Cristo veio para libertar os oprimidos do poder opressor, seja ele qual for. Portanto, sendo um trabalhador assalariado, morador da periferia, sem acesso à educação e a saúde de qualidades e tolhido das atividades culturais e de lazer, sou um oprimido. Então precisava identificar o poder opressor, para tanto, além da minha fé era necessário me organizar no sindicato, enquanto trabalhador, na associação de moradores, enquanto morador de um bairro e no partido político, enquanto cidadão consciente de seus direitos e deveres, pois na minha concepção, a fé desprovida de ações, é morta. Isso significa dizer que religião e política devem caminhar juntas, não falo da religião descomprometida com o reino de Deus, nem da política determinada pelos opressores e muito menos digo que devemos transformar as religiões em partidos políticos ou vice-versa. Mas cada um na sua e a sua maneira podem contribuir para que a fé oriente a prática no sentido transformador rumo à construção de uma sociedade mais igualitária.
Mas será isso possível diante dos problemas crônicos de corrupção que assolam toda a nossa sociedade brasileira desde a colonização, causando divisões e mais divisões e, consequentemente, o afastamento das pessoas das discussões e organizações políticas, ideológicas[6] e sociais? E, até que ponto tudo isso não atinge e causa, também, divisões entre e dentro das muitas religiões que se estruturaram no nosso país? Quem de nós já não ouviu a máxima que política, religião e futebol não se discutem? Isso, na verdade, têm consequências drásticas, pois causa um dos piores problemas, já que vivemos uma democracia representativa[7], o desinteresse pelo processo político-partidário e por fim, das eleições. Quando deixamos de conhecer os partidos políticos e a ideologia que representam, fica parecendo que todos os partidos são iguais, sendo assim, pela lógica, todos os políticos também o são. Mas esse é um pensamento simplista e, por isso, errado e vai se solidificando cada vez que alguém diz não querer se meter com política, aí faz como Pilatos lava as mãos deixando que outro decida por ele. O pior é que muitas das vezes não percebemos e somos enganados pelas mídias, aparentemente se mostram neutras, só que não existe, politicamente falando, ninguém neutro todos defendem interesses próprios.
Acredito que tudo isso pode mudar, que ainda tem conserto. Somos um país ainda novo, em relação aos países da Europa, por exemplo, estamos em construção e cada tijolo colocado é importante, temos nossos ideais e esperanças no futuro, vivemos com vontade de acertar. A partir do momento que cada um tome posição, deixando de pensar em si próprio, verá que sua participação é fundamental para as mudanças sociais em direção ao reino de Deus, perceberá que de nada adianta a fé sem ação concreta e que é necessário a disseminação da cultura da construção no coletivo. Talvez estejamos falando de uma situação utópica. Mas segundo o escritor Eduardo Galeano[8] (2006) A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”. Então, é isso que nos move, sendo assim, não podemos deixar jamais que nos roubem a utopia e os sonhos que sonhamos juntos.



Rio de Janeiro, 26 de Janeiro de 2016.











[1] A palavra umbanda é derivada de “u´mbana”, um termo que significa “curandeiro” na língua banta falada em Angola, o quimbundo. A umbanda tem origem nas reuniões das senzalas lá os negros escravos vindos da África dançavam e cantavam louvando seus deuses e incorporavam espíritos. A umbanda é uma religião brasileira formada por elementos de outras religiões como o catolicismo, o espiritismo e juntando ainda elementos da cultura africana e indígena.

[2] A palavra agnóstico deriva do termo grego “agnostos” que significa “desconhecido", "não cognoscível”. O agnóstico é aquele que considera os fenômenos sobrenaturais inacessíveis à compreensão humana. Os agnósticos consideram inútil discutir temas metafísicos, pois são realidades não atingíveis através do conhecimento. Para os agnósticos, a razão humana não possui capacidade de fundamentar racionalmente a existência de Deus. Um agnóstico pode ser teísta ou ateísta. O teísta admite que não tem conhecimento que comprove a existência de Deus, mas acredita ou pelo menos admite a possibilidade da existência de Deus. Por outro lado, o ateísta também admite não possuir conhecimento que comprove a não existência de Deus, mas não acredita na possibilidade que Deus exista.

[3] Etimologicamente, a palavra "sincretismo" tem origem no grego sygkretismós, que significa "reunião das ilhas de Creta contra um adversário em comum", traduzido para o francês syncrètisme, deu origem à variante na língua portuguesa, que significa a fusão de diferentes doutrinas para a formação de uma nova, seja de caráter filosófico, cultural ou religioso. No caso do sincretismo religioso é a mistura de uma ou mais crenças religiosas em uma única doutrina. No Brasil o sincretismo religioso nasce a partir dos colonizadores portugueses, dos escravos africanos e da população indígena.

[4] A Teologia da Libertação é um movimento teológico cristão que nasceu na América Latina, depois do Concílio Vaticano II e da Conferência de Medellín na Colômbia em 1968. É um movimento que não se vincula a nenhum partido político, mas pensa em uma teologia que possa influenciar a política, de acordo com os ensinamentos e o projeto de Jesus Cristo de libertação das opressões econômicas, políticas ou sociais. A Teologia da Libertação tem caracteristicas básicas como a negação da esperança transcendente, o reino de Deus é para a imanência deste mundo e  considera o pobre, não um objeto de caridade, mas sujeito de sua própria libertação. A Teologia da Libertação foi e continua sendo a reinterpretação analítica e antropológica da fé cristã, em vista dos problemas sociais existente em particular na America Latina.

[5] A palavra fé significa "confiar", "acreditar" em algo ou alguém, ainda que não haja evidências que comprove veracidade. De acordo com a etimologia, a palavra fé tem origem no Grego "pistia" que indica a noção de acreditar e no Latim "fides", que remete para uma atitude de fidelidade.  Para nós cristãos ter implica crer na Bíblia e nos ensinamentos de Jesus Cristo, o enviado de Deus.

[6] Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Larousse, Ideologia é um conjunto de ideias, crenças, doutrinas próprias de uma sociedade ou classe social. Sendo assim, a ideologia pode estar ligada a ações políticas, econômicas e sociais. O termo ideologia foi muito usado pelo filósofo Antoine Destutt de Tracy e o conceito de ideologia foi bastante trabalhado pelo filósofo alemão Karl Marx. De acordo com Marx, a ideologia da classe dominante tinha como objetivo manter os mais ricos no controle da sociedade.

[7] Democracia representativa ou democracia indireta é uma forma de governo em que o povo elege seus representantes para defender e executar os seus interesses. A principal base da democracia representativa é o voto direto no candidato considerado mais apto para exercer o cargo pleiteado. O Brasil é governado sob o regime de democracia representativa, com voto obrigatório. Somos uma república democrática, elegemos nossos representantes para Presidente da República, governadores, senadores, deputados, vereadores, prefeitos. 

[8] http://www.espacoacademico.com.br/056/56andrioli.htm




[i] Professor, Especialista em Educação e Poeta. Membro do CEBI-RJ/Sub-regional Campo Grande.