quinta-feira, 23 de abril de 2015

LINGUAGEM APOCALÍPTICA - Janete Julio Martins - GRUPO EXTENSIVO e CEBI Caxias

LINGUAGEM APOCALÍPTICA

Extensivo  CEBI RJ -  12 de abril de 2015 -  Janete Julio Martins - CEBI Caxias

                             LINGUAGEM  APOCALÍPTICA 
O TERMO APOCALIPSE
Apo-calipse   é uma palavra grega  que tem um sentido positivo. Significa  literalmente  re-velação,  tirar o véu, descobrimento.  Ao tirar o véu que encobre os acontecimentos, o apocalipse clareia o caminho e faz crescer a esperança.
 Às vezes se diz “Temos que ser profetas!”  Ninguém diz “Temos que ser apocalípticos!”  Pelo contrário, em tempos ditos apocalípticos, até as lideranças costumam reagir com uma atitude de defesa. Buscam maior disciplina para manter fora de casa os ares aparentemente confusos e incômodos do movimento apocalíptico. Mesmo assim, o movimento pentecostal-apocalíptico cresce. Tanto ontem como hoje, ele tem a ver com o movimento popular. Cresce em toda  parte, sobretudo entre os mais pobres e marginalizados. Assim acontecia no fim do séc.I.
 PROFECIA E APOCALIPSE
O  movimento profético nasceu da experiência  de se poder fazer algo para conduzir os fatos da história de acordo com o projeto de Deus, Diante de determinadas situações, percebia –se que podia fazer algo para transformá-la, então nascia um sentimento de responsabilidade, surgia uma vocação. O movimento profético  surgiu num contexto em que era possível abarcar a situação, onde tentavam viver a Aliança , mesmo em duas direções opostas: o profeta oficial ( do rei), que identificava  o projeto de Deus com o projeto monarquia, e o profeta popular, que identificava o projeto de Deus com os direitos desprezados dos pobres.
Para os antigos profetas populares, o Dia de Javé  realizava-se  e manifestava-se em acontecimentos históricos no decorrer dos anos e dos séculos ( Ex  14,30-31 ; IRs 17,1 ; Lm 2,1-3.22  e  1,12).
O movimento apocalíptico nasce do lado de quem sofre a história e não ao lado de quem a conduz. Verbaliza a experiência dos pobres e oprimidos que não tem poder e que, apesar de sua impotência diante do rolo compressor do império, não se entregam nem perdem a esperança. O movimento apocalíptico surge do lado de quem está perdido, mas quer continuar a crer. Nasce de dentro do medo do caos como tentativa de manter a fé no Deus dos pais e dos profetas. Para o apocalíptico, os opressores do povo, por mais que gritem e explorem, já perderam! Mesmo que por algum tempo, o povo ainda deva continuar a sofrer. As coisas vão mudar, porque “Deus é o Senhor”.
Para expressar essa fé, os apocalípticos inventam novas formas que, muitas vezes, são heterodoxas ou heréticas para a elite. Mas são formas que os excluídos encontram para não se perder e poder sobreviver. Em seus escritos, em formas literárias variadas, reaparece quase sempre o mesmo esquema de pensamento, o mesmo quadro visionário, cujo eixo principal é a espera da chegada do Dia de Javé.
Assim pouco a pouco, o enfoque vai mudando. Para os apocalípticos, o Dia de Javé  continua sendo o dia da justiça divina, mas já não contra o rei infiel de Israel, e sim contra as nações que oprimem e exploram o povo de Deus. Os sinais cósmicos que o acompanham simbolizam a chegada desse fim. Eles prefiguram a desintegração da antiga criação e o começo da nova criação ( Ap 20,11 a 21,5).
O profeta que despreza o apocalíptico já não sabe o que é profecia. O apocalíptico que despreza o profeta deixou de ser ele mesmo uma revelação (apocalipse) de Deus para o povo.  ( Afirmações a partir de estudos populares  realizados) 
  Nesta linguagem encontramos expressão legítima da fé em Deus,  que é senhor e soberano da história. Ela mantinha a esperança quando tudo parecia sem esperança, afirmando que Deus governa e governará no Dia do Juízo, no fim da história.  É uma literatura subversiva, que gozou de uma enorme popularidade, que quer incentivar seus destinatários à  lealdade  e à fidelidade na luta contra o “reino do império”, em busca de uma alternativa, o “Reino de Deus”.
A apocalíptica é a esperança que brota da angústia de grupos fortemente oprimidos em meio a impérios tiranos.  O gênero apocalíptico, surgido nessas situações  limite, foi então a maneira como se formulou a profecia. A profecia não se opõe à apocalíptica, mas é um novo gênero literário para formular a profecia. (Ildo Bonh Gass,Época Dominação Grega)

O MOVIMENTO APOCALIPTICO NA LINHA DO TEMPO
Entre o século III a. C. e o século II d.C., o movimento apocalíptico produziu uma ampla literatura, maior talvez que a literatura profética. Tanto os cristãos como os judeus produziram apocalipses, mas só dois deles entraram na lista dos livros inspirados: o de Daniel e o de João.
a.    Época persa, 538-333 a.C. – Aos poucos a profecia vai encontrando novas formas de expressão. A transmissão ampliada das visões e profecias de Ezequiel, Joel, Zacarias 9-14, Isaías 24-27 e Isaías 34-35, contribui para que aos poucos, se crie um ambiente que vai gerar o movimento apocalíptico.
b.    Época helenista, 333-63 a.C. – Por causa da politicagem e da corrupção, ganância de poder e de dinheiro, a explosão acontece no início do sec.II durante o governo do rei selêucida Antíoco IV, o que provoca a revolta armada doa Macabeus e  mais tarde a  nomeação de Jônatas ( não era de família sacerdotal) provoca violenta reação do povo. A partir desses acontecimentos  as ideias apocalípticas se espalham entre as camadas mais pobres e oprimidas do povo. Provavelmente, o início da tradição oral apocalíptica tenha começado no fim do período helenista. A redação por escrito da maior parte dessa literatura se faz durante o período romano.
c.    Época romana, 63 a.C.-135 d.C.  – Além dos livros de Daniel, dos Jubileus, do 3º Livro de Esdras e dos segredos de Henoc, podem ser assinalados os seguintes livros de inspiração apocalíptica escritos no período romano: O Testamento dos  Doze Patriarcas, o 4º Livro de Esdras, o Apocalipse de Baruque, o Testamento de Jó, o Testamento de Abraão, a Ascensão de Isaías, o Apocalipse de Abraão, o Apocalipse de Elias, o Apocalipse de Moisés, o Apocalipse de Henoc. Esses escritos da tradição judaica eram muito lidos tanto no ambiente judaico como no ambiente cristão.
No período entre 70 e 135 d.C., o movimento apocalíptico alcança o seu ponto mais alto nas  comunidades cristãs. Além da literatura já mencionada, surgem entre os cristãos o Apocalipse de João, o Apocalipse de Pedro e o Apocalipse de Paulo.
A não ser os apocalipses de Daniel e de João, nenhum dos outros escritos entrou na lista dos livros inspirados, nem dos judeus nem dos cristãos. É que para a elite sacerdotal e intelectual, tanto dos cristãos como dos judeus, tais livros continham elementos heterodoxos e heréticos. A elite não foi capaz de compreender a expressão popular da fé que muitas vezes surgia em oposição à organização centralizada.  Além disso, a reserva com relação aos escritos apocalípticos também tem a ver com os reais perigos e limites inerentes ao movimento apocalíptico.

LIMITES E PERIGOS INERENTES AO MOVIMENTO APOCALÍPTICO
Na Bíblia aparecem vários limites e perigos que afetam o movimento apocalíptico e explicam sua ambiguidade:
a.    Perigo do fundamentalismo – Nem sempre o vidente entende a missão que recebe ( Ap 7,14 ; Dn 8,15). A obscuridade das visões e o extremismo das pessoas trazem consigo o perigo do fundamentalismo, que interpreta ao pé da letra. O fundamentalismo é uma grande tentação que em épocas de incerteza e de insegurança, se instala na mente de muita gente. Ele separa o texto da vida e da história do povo e absolutiza  como única manifestação a Palavra de Deus. A vida,  a história do povo, a comunidade já não teriam mais nada a dizer sobre Deus e sua Vontade. É a ausência total de consciência crítica. O fundamentalismo distorce o sentido da Bíblia e, na sua interpretação, alimenta o moralismo, o individualismo e o espiritualismo. É uma visão alienada que agrada aos opressores, pois impede que os oprimidos tomem consciência da iniquidade do sistema montado e mantido pelos poderosos. Ao recusar o pensamento crítico e o bom senso, o fundamentalismo pode transformar-se em causa de tragédias. Por exemplo, durante o cerco de Jerusalém, no ano 70 d.C., grupos apocalípticos lutavam entre si, exterminando-se mutuamente. Depois da destruição de Jerusalém, os sobreviventes cometeram suicídio coletivo em Massada. Ainda  recentemente, tivemos  suicídio coletivo de vários grupos fundamentalistas.
b.    Perigo de imobilismo e fatalismo – O movimento apocalíptico ensina e sugere que o Plano da Salvação já está pronto e definido e que não é necessária a contribuição humana. Por isso corre o risco de alimentar o fatalismo que impede ou desaconselha a participação das pessoas. Assim, na comunidade de Tessalônica, muitos cruzavam os braços e ficavam em cima do muro, sem comprometer-se (2Ts 3,11). O mesmo fazem hoje, quando recusam ou condenam a participação social e política.
c.    Perigo de isolamento – O movimento apocalíptico ensina e sugere que os pobres, perseguidos e ameaçados pelo império, são o povo eleito de Deus a ser salvo no Dia de Javé.  Por isso, esse “povo eleito” corre o perigo de considerar-se um “povo privilegiado”, os únicos eleitos a serem salvos. Eles se isolam no seu privilégio e tratam os outros com desprezo. Os outros seriam  uns pobres condenados. Em vez de difundir o Reino, eles fazem proselitismo. Essa atitude transparece nos discípulos, depois da ascensão de Jesus. Ficam olhando para o céu, esquecendo a missão de anúncio (At 1,11). Em Atos 1,7-8, a recomendação é esta: “Deixe na mão de Deus a preocupação com o fim do mundo, e vai pelo mundo para dar testemunho do Evangelho!”
d.        Ambiguidade, medo e manipulação – A experiência de Deus tem certa ambiguidade. De um lado, ela é mistério fascinante que atrai. De outro, é mistério tremendo que causa medo. Quando essa experiência se faz presente no meio das visões apocalípticas de catástrofes, então o medo cresce e prevalece. Muita gente, inclusive Daniel (Dn 7,15; 8,17) e João (Ap 1,17), ficam com medo diante de certas visões. E o medo de ser atingido pelas pragas, destinada aos opressores. Há pessoas que usam esses textos para suscitar medo nos pobres. Manipulam as visões apocalípticas para dominar as consciências mediante a ameaça de castigo. Mas Deus, sem cessar, manda repetir o apelo;”Não tenham medo!” (Ap 1,17), “Não chore!” (Ap 5,5).  ( Afirmações a partir de estudos populares realizados)
                                                     )
OBSERVAÇÃO

No Segundo Testamento há também vários textos apocalípticos, como os de Jesus, que vence as tentações (Lc 4,1-13 e paralelos), o da transfiguração (Mt 17,11-8 e paralelos), o do rico e Lázaro (Lc 16,19-31), o da grande tribulação e da parusia (Mc 13,14-27), o do discurso de Mt 24-25 e sobre a destruição do Templo, o fim dos tempos e o juízo final, e outros. (Milani; Passos; Vasconcellos e Villac, 2007).

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Os Originários das Terras Brasileiras - João Crispim Victorio - CEBI-RJ - Sub-regional Campo Grande

Os Originários das Terras Brasileiras

João Crispim Victorio[i] / CEBI-RJ - Sub-regional Campo Grande

Pode parecer estranho, à primeira vista, falar dos povos originários das terras brasileiras tomando por base as duas principais teorias sobre a origem da vida. A Teoria criacionista, elaborada a partir de conceitos judaico-cristãos que se encontram na Bíblia e a Teoria evolucionista, baseada nos estudos do cientista inglês Charles Darwin. Teoria, esta, marcada por discussões polêmicas sobre as origens do Universo e da própria Humanidade entre Ciência, Filosofia e Religião. Mas para começarmos do início e nos orientarmos num processo lógico do surgimento e do espalhamento do ser humano sobre a Terra, particularmente nas Américas e por fim ao Brasil, nos parece interessante partir das origens do Universo e consequentemente da Humanidade, já que esses assuntos vêm sendo discutidos há séculos e até hoje não existe consenso sobre os mesmos.
Segundo a Teoria criacionista, Deus é o arquiteto criador do Universo, “No princípio, criou Deus o céu e a terra” (Gn. 1,1)[1]. Com o passar do tempo Deus continuou criando e criou as aves, as ervas, o sol, a lua e, por fim, “Deus criou o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou” (Gn. 1, 27). Para Ciência a criação do Universo pode ser explicada por quatro teorias: a Teoria Inflacionária; a Teoria do Estado Estacionário; a Teoria do Universo Oscilante ou a Teoria do Big Bang[2]. Tomaremos por base, aqui, a Teoria da Grande Explosão, por ser a mais conhecida e a mais aceita no meio acadêmico. Nesse sentido, após o surgimento do Universo, em uma atmosfera propícia, surgem as primeiras formas de vida.
De acordo com a Teoria evolucionistas as primeiras formas de vida dão origem a todos os seres vivos que existem hoje. E, isso, só é possível por meio da evolução individual das espécies, a partir um ancestral comum. As mudanças ocorridas e as diferenças entre as espécies deram-se pelo processo de seleção natural, ou seja, os indivíduos que melhor se adaptam ao meio sobrevivem e deixam descendente, que, por sua vez, também sofrem alterações biológicas, deixando novos descendentes.
Sendo assim, podemos perceber que a questão sobre as origens da Humanidade nos remete a um amplo debate, no qual Filosofia, Religião e Ciência contribuem com suas diferentes concepções. Mas por se tratar de um tema polêmico, que envolve várias áreas do conhecimento e, portanto, inacabado, cabe a cada um escolher a corrente explicativa que lhe parece mais plausível. No nosso caso importa saber como a Humanidade se espalhou sobre a Terra, já que a impressão que nos dá os livros de História, principalmente em se tratando da época da expansão territorial europeia, por meio das grandes navegações, é de que só existia gente, seres humanos, na Europa.
Muito antes da passagem de Cristóvão Colombo pela América e da chagada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil, toda essa região já era habitada por diferentes povos que aqui viviam de acordo com suas culturas e costumes. Esses povos foram denominados, de forma genérica, por isso, equivocada, pelos europeus, como índios[3]. “Esta denominação, usada até hoje, às vezes dá uma impressão errada, como se uma única palavra designasse um único povo, com uma só cultura e até com o mesmo tipo físico” (FREIRE e MALHEIROS, 2010)[4].
Até hoje não há consenso sobre como e quando a América foi povoada. As teorias sobre este assunto levantam várias hipóteses, muitas das vezes divergentes. Para os arqueólogos Neves e Hubbe (2005)[5], a América foi povoada em duas grandes migrações: a primeira, a cerca de 14 mil anos, de povos com traços físicos africanos e australianos, e a segunda, há 11 mil anos, de povos com traços asiáticos. As duas migrações teriam ocorrido pelo Estreito de Bering, entre a Ásia e América. Por isso, quando os portugueses aqui chegaram acreditando que estas terras eram desabitadas, foram surpreendidos ao se depararem com os nativos. Estavam na verdade refazendo o que outras populações havia feito em períodos anteriores.
Segundo Azevedo (2011)[6], “no século XVI havia no Brasil de 2 a 4 milhões de pessoas, pertencentes a mais de mil povos diferentes”, com crenças, hábitos, costumes e formas de organização sociais específicas. Falavam cerca de 1.300 línguas que eram agrupadas em dois grandes troncos linguísticos principais: o Tupi-Guarani (Arikém, Awetí, Juruna, Mawé, Mondé, Puroborá, Mundurukú, Ramarama, Tuparí) e Macro-jê (Bororó, Krenák, Guató, Jê, Karajá, Maxacalí, Rikbaktsá, Ofayé, Yatê). Cerca de mil delas se perderam por diversos motivos, entre os quais a morte dos índios, em decorrência de epidemias, extermínio, escravização[7], falta de condições para sobrevivência e aculturação forçada.
Segundo o Censo 2010 do IBGE, foram registrados 896,9 mil indígenas, 36,2% em área urbana e 63,8% na área rural. 305 etnias, das quais a maior é a Tikúna, com 6,8% da população indígena. Também foram identificadas 274 línguas indígenas. Isso, sem contar os índios isolados, que por estarem sem contato com a sociedade não puderam ainda ser conhecidas e estudadas. Hoje algumas dessas línguas continuam sendo usadas, num certo sentido, por cariocas e fluminenses, muitos dos quais nem desconfiam disso, pois a língua portuguesa, falada no Brasil, incorporou muitas palavras indígenas: nomes de lugares, de animais, de vegetais, ervas, flores, plantas, enfim de toda a flora e fauna. (FREIRE e MALHEIROS, 2010).
Antes de 1500, não existia um território chamado Brasil, não existiam as fronteiras, como as que existem hoje, separando os países que formam a atual América. Não existia um povo chamado brasileiro, muito menos fluminense ou carioca. No momento da chegada dos primeiros europeus, os índios viviam em aldeias espalhadas por todo o território. Segundo Bessa e Malheiros (2010, p. 11) “A aldeia era a maior unidade política das sociedades indígenas. Cada uma delas tinha autonomia e reconhecia como autoridade maior o seu chefe, tuxaua, morubixaba ou cacique”.
Nesse período, no Rio de Janeiro, destacavam-se os Tupi, que viviam no litoral, por isso, foram os primeiros a terem contato com os colonizadores e os Puri que viviam espalhados entre o litoral e as florestas do outro lado da Serra dos Órgãos, nas margens dos rios Piabanha e Paraíba. Os Tupi e os Puri, apesar de algumas diferenças estruturais e de organização social interna, tinham em comum locais estratégicos de construção. Esses índios nos deixaram um legado de alternativas de sobrevivência, transmitindo as “ciências e tecnologias” que desenvolveram por milhares de anos nas plantações, na caça e na pesca.
 Tupi e Puri reúnem os povos historicamente mais importantes do Rio de Janeiro, que por ocuparam vastas extensões territoriais contribuíram para a formação étnica do povo fluminense. Mas o processo histórico de conflitos violentos culminou no extermínio quase que total desses povos. São perdas irreparáveis, como explica o etnobiólogo norte-americano Darrell Posey[8], "com a extinção de cada grupo indígena, o mundo perde milhares de anos de conhecimentos acumulados sobre a vida e a adaptação a ecossistemas tropicais".
Para o Professor Bessa[9], se não tivermos um conhecimento correto sobre a história indígena, sobre o que aconteceu na relação com os índios, não poderemos explicar o Brasil contemporâneo. No entanto, constatamos que muito pouco foi feito para conhecermos a história indígena. A produção de conhecimentos nesta área não condiz com a importância do tema. As pesquisas são de uma pobreza franciscana. O resultado disso é a deformação da imagem do índio na escola, nos jornais, na televisão, enfim na sociedade brasileira. Ou seja, muitas pessoas têm ideias equivocadas referentes aos índios. Mas essa é outra história.


[1] Os textos bíblicos citados são da Bíblia do peregrino da editora Paulus.

[2] Teoria da Grande Explosão foi anunciada em 1948, pelo cientista russo naturalizado estadunidense, George Gamow (1904-1968) e o padre e astrônomo belga Georges Lemaître (1894-1966). Segundo eles, o universo teria surgido após uma grande explosão cósmica, entre 10 e 20 bilhões de anos atrás. O termo explosão refere-se a uma grande liberação de energia, criando o espaço-tempo.
[3] Segundo Sara Brandon (2005), desde que Cristóvão Colombo atingiu a ilha de San Salvador, nas Bahamas, em 1492, e denominou os habitantes de “índios”, porque acreditava ter atingido o leste das Índias, o conceito foi lapidado, impregnando o imaginário da sociedade dominante e desumanizando diversos povos nativos das Américas.

[4] José Ribamar Bessa Freire e Márcia Fernanda Malheiros - Os Aldeamentos Indígenas do Rio de Janeiro.

[5] Walter Alves Neves e Mark Oliver Rohrig Hubbe (2005), Luzia e saga dos primeiros americanos.

[6] Marta Azevedo (2001), Povos Indígenas no Brasil-ISA. Quantos eram? Quantos serão?

[7] Quando se fala em escravo, grande parte das pessoas pensa no negro, mas, na realidade, os primeiros escravos do Brasil foram os índios, também chamados na documentação oficial de “negros da terra” ou “gentio da terra”.
[8] Posey, Darrell A. : Etnobiologia: teoria e prática. in Suma Etnológica, tomo I, Etnobiologia. Vozes/Finep. 1986. Petrópolis.

[9] Palestra proferida em 2002, no curso de extensão de gestores de cultura do município do Rio de Janeiro, organizado pelo Departamento Cultural.




[i] Professor, Especialista em Educação e Poeta.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Cristianismos Originários Comunidade Como Comunhão Das Diferenças: Unidade E Diversidade Dos Membros Do Corpo De Cristo Em 1°Corintios 12,1-11 Valdeci de Oliveira Biro - Cebi Volta Redonda

Cristianismos Originários
Comunidade Como Comunhão Das Diferenças: Unidade E Diversidade Dos Membros Do Corpo De Cristo Em 1°Corintios 12,1-11


Deus nunca Se cansa de perdoar, somos nós que nos cansamos de pedir a sua misericórdia.
Aquele que nos convidou a perdoar “setenta vezes sete” (Mt 18, 22) dá-nos o exemplo:
Ele perdoa setenta vezes sete. Papa Francisco - Exort. Ap. Evangelli Gaudium

A teologia tem a função de responder, à luz da revelação divina, e a fé cristã é a razão da esperança que há em nós (1° Pd 3,15-16). Por isso, o ponto de partida deve ser a Sagrada Escritura, que é “a alma da teologia” (DV 24[1]; VD 31[2]). Nossa tarefa neste artigo é interpretar um texto do apóstolo Paulo, precisamente, a perícope de 1° Cor 12,1-11 da Bíblia Pastoral:
V.1:
Sobre os dons do Espírito, irmãos, não quero que vocês fiquem na ignorância.
V.2:
Vocês sabem que, quando eram pagãos, se sentiam irresistivelmente arrastados para os ídolos mudos.
V.3:
Por isso, eu declaro a vocês que ninguém, falando sob a ação do Espírito de Deus, jamais poderá dizer: “Maldito Jesus!” E ninguém poderá dizer: “Jesus é o Senhor”! A não ser sob a ação do Espírito Santo.
V.4:
Existem dons diferentes, mas o Espírito é o mesmo;
V.5:
diferentes serviços, mas o Senhor é o mesmo;
V.6:
diferentes modos de agir, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos.
V.7:
Cada um recebe o dom de manifestar o Espírito para a utilidade de todos.
V.8:
A um, o Espírito dá a palavra de sabedoria; a outro, a palavra de ciência segundo o mesmo Espírito;
V.9:
a outro, o mesmo Espírito dá a fé; a outro ainda, o único e mesmo Espírito concede o dom das curas;
V.10:
a outro, o poder de fazer milagres; a outro, a profecia; a outro, o discernimento dos espíritos; a outro, o dom de falar em línguas; a outro ainda, o dom de as interpretar.
V.11:
Mas é o único e mesmo Espírito quem realiza tudo isso, distribuindo os seus dons a cada um, conforme ele quer.

A comunidade de Corinto tem várias características semelhantes ao nosso contexto eclesial pastoral. É como se estivéssemos nos vendo no próprio espelho. Principalmente no que diz respeito ao caráter da Igreja de Corinto: uma realidade carismática dissociada da realidade comunitária da Igreja de Cristo, que já naquele tempo causava estranheza e exigia uma orientação, para que houvesse uma ordenação dos fenômenos a Cristo, para frutificarem em amor autêntico. As pistas indicativas do Apóstolo Paulo aos coríntios iluminam nossa reflexão e nos motivam a responder e contribuir com a situação pastoral desafiante.
A perícope[3] de 1° Cor 12,1-11: traz uma cristologia dinâmica onde “Jesus é o Senhor”, um alicerce a ser construído a partir da “Trindade gera a comunidade”.
Esta perícope é o ponto de partida e fundamento para o apelo que Paulo faz à unidade, à caridade e ao uso adequado dos carismas em prol da comunidade. Ela afirma com exatidão a clara intenção do autor sagrado em demonstrar critérios para distinguir os falsos carismáticos, que em sua essência rejeitam o senhorio de Jesus Cristo, bem como sua aceitação e a exclusão ou presença do Espírito.
A redescoberta do Espírito Santo na vida pastoral deve continuar gerando frutos fecundos e eficazes, continuando a missão de proclamar que “Jesus é o Senhor” (v.1-3) [4], que só se realiza no Espírito Santo.
A perícope centrada na origem única dos carismas, apesar de sua pluralidade: é o mesmo Espírito que os distribui aos fiéis, sem discriminação, e para a utilidade comum da Igreja (v. 4-11) [5].
Este artigo será desenvolvido a partir do texto de 1° Cor 12,1-11. Seu contexto maior de 1° Cor 13-14 será referido sempre que necessário para esclarecer e completar alguma argumentação que possa orientar os passos exegéticos aqui tratados que são: análise de conteúdo; a análise teológica e a atualização pastoral.
Nosso próximo artigo, falaremos sobre a “Igreja de Corinto: realidade carismática dissociada da realidade comunitária da Igreja de Cristo (v.1-3)”.


Valdeci de Oliveira Biro
Pós-Graduado em Assessoria Bíblica Centro de Estudos Bíblicos
 Escola Superior de Teologia Bíblica Luterana de São Leopoldo-RS


Notas Bibliográficas



[1] Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II: Constituição Dogmática Dei Verbum sobre a
Revelação Divina. São Paulo: Paulus, 2001, p.9. 
[2] Exortação Apostólica Pós-sinodal: Verbum Domini. Libreria Editrice Vaticana: Cidade Do Vaticano, 2010, p.55.
[3]  PERÍCOPE. Delimitar o texto significa “estabelecer limites para cima e para baixo, ou seja, onde ele começa e onde ele termina. O trecho resultante dessa delimitação recebe o nome de perícope”. SILVA, Cássio Murilo Dias. Metodologia de exegese bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 68.
[4] Comentário da Bíblia Pastoral, 2000. Cap.12,1-3: Na efervescência carismática dos coríntios existem traços pagãos. Estes se reúnem para cultivar o espetacular e o fascínio pelo sobrenatural impregnado de mística pagã; isso acaba tornando-se verdadeiro ópio. Paulo adverte: nem todas as manifestações de entusiasmo religioso provêm de Deus. Na mística cristã, o primeiro critério para discernir os verdadeiros dons do Espírito é reconhecer Jesus como Senhor.
[5] Comentário da Bíblia Pastoral, 2000. Cap.12,4-11 A Trindade é a base sobre a qual a comunidade se constrói: nesta, toda ação provém do Pai, todo serviço provém de Jesus e todos os dons (= carismas) provêm do Espírito. Cada pessoa na comunidade recebe um dom, ou melhor, é um dom para o bem de todos. Por isso, cada um, sendo o que é e fazendo o que pode, age para o bem da comunidade, colocando-se a serviço de todos como dom gratuito. Desse modo, cada um e todos se tornam testemunho e sacramento da ação, serviço e dom do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Paulo enumera apenas os carismas de direção e ensino. A lista não é completa, pois cada pessoa é um carisma para a comunidade toda. Cf. BARBAGLIO, Giuseppe. As cartas de Paulo I. São Paulo: Loyola, 1989, p. 135.

sexta-feira, 10 de abril de 2015

Bonhoeffer: quando o fim é o começo - Gleides - Cebi Nova Iguaçu

   Bonhoeffer: quando o fim é o começo


          Embora fosse primavera no hemisfério norte, fazia frio naquela manhã de abril quando o jovem pastor despiu-se e caminhou com passos firmes e serenos em direção à forca montada no pátio do campo de extermínio de Flossembürg, na Alemanha.
          Dietrich Bonhoeffer, teólogo e pastor luterano, participava da resistência alemã anti-nazista e da Igreja Confessante, ala da igreja evangélica contrária à política de Hitler.
          Nascido em 4 de fevereiro de 1906, em  Breslau - Alemanha, em um lar abastado - seu pai era médico psiquiatra e professor universitário - decidiu-se pelo ministério pastoral aos 14 anos de idade. 
          Foi como pastor assistente em Barcelona, entre 1928-29, com a crise econômica que atingiu todo o mundo - a chamada Grande Depressão - que entrou em contato com a pobreza .
         De 1930-31 foi bolsista em Nova Iorque e conviveu com a comunidade negra do Halem. Vivenciou o racismo e a exclusão social.
          Todas essas experiências, somadas a situação de seu próprio país, levaram o jovem teólogo a repensar o papel da igreja e do cristão na sociedade e a ver a vida " sob a perspectiva daqueles que sofrem".
          De grande influência no seu pensar teológico, entre outros, destaca-se Karl Barth, seu professor na Universidade de Bonn.
          Luís Camuro¹ resume assim o comprometimento de Bonhoeffer:
              "Amou a igreja de seu tempo, sofreu com ela e por ela, mas também participou ativamente do destino de sua pátria, e quando viu que a sua igreja silenciou diante de tantas injustiças, que os cristão não levantavam suas vozes em favor 'dos irmãos mais fracos e indefesos de Jesus Cristo ( os judeus e os 200.000 considerados indignos de viver, entre eles os deficientes físicos e mentais, todos eles condenados a eutanásia, mais os milhares de ciganos, homossexuais e Testemunhas de Jeová levados para os campos de extermínio)' não calou e nem desistiu mesmo sabendo o risco que iria correr se fosse adiante pela causa. Consciente que o discípulo não está acima de seu mestre e nem o servo acima de seu senhor, não se conformou em ser um cúmplice dos crimes praticados pelo seu próprio povo, pagando assim um alto preço, o martírio aos 39 anos de idade."

          Constavam ainda de sua militância a questão ecumênica - tanto no plano do diálogo entre as religiões quanto no da elaboração teológica - e a construção da paz entre as nações. 
          Bonhoeffer foi morto em 9 de abril de 1945. Treze dias depois as tropas aliadas russas tomaram Berlim; em 30 de abril Hitler cometeu suicídio. Terminava a Segunda Guerra Mundial.
          Dentre suas obras sobre a Igreja, Ética e Discipulado estão várias poesias escritas na prisão.

         "Pois vem festa máxima no caminho para a eterna liberdade.
          Morte, destrói as fatigantes correntes e muralhas
          do nosso corpo passageiro e de nossa alma cega,
          para que finalmente vislumbremos o que nos é negado ver aqui.
          Liberdade, procuramos-te longamente em disciplina, ação e sofrimento.
          Morrendo, te reconhecemos e contemplamos agora, na face de Deus."

          Diante da sua vida comprometida com o Evangelho de Cristo e sua inconformidade com a realidade cruel e totalitária que sua nação vivia, me lembrei das palavras de outro poeta alemão, contemporâneo de Bonhoeffer:

          "... pois em tempo de desordem sangrenta,
               de confusão organizada,
               de arbitrariedade consciente,
               de humanidade desumanizada,
               nada deve parecer natural, nada deve parecer
                           impossível de mudar."
                                                                          Bertolt Brecht

                                                                           
                                                                      Gleides - Cebi Nova Iguaçu


¹. Presidente da SIB - Sociedade Internacional Bonhoeffer (Brasil)

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Teólogo Dietrich Bonhoeffer e seu plano p/ matar Hitler.
Dietrich Bonhoeffer Nascido na riqueza, Dietrich Bonhoeffer seguia para uma carreira brilhante como teólogo, até passar a ver a vida 'sob a perspectiva daq...
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